NA PRÓPRIA PELE: a dor, a saudade e a droga na vida do ativista Alex Ramos

O texto a seguir é forte, é baseado na triste história do assassinato do filho do ativista, Alex Ramos, de Piúma, no dia 16 de janeiro deste ano. Ele que tentou fugir da dor indo em direção ao fundo do poço, experimentou drogas e, pode ter certeza de que o ser humano é cruel com o outro, e, nos momentos de mais angústia e sofrimento, se aproveitam para explorar o quanto puderem.

Foto principal é ilustrativa/ Internet

Dor, saudade

“No primeiro momento foi para me livrar da dor, da saudade, da lembrança, da cor do sangue vivo no rosto e no chão, do choro inconsolável do meu filho de 15 anos que viu os últimos suspiros do irmão, do momento que a mãe chegou, do momento que o irmão mais velho, companheiro inseparável de uma vida, vê seu irmão, no asfalto, estirado, do reconhecimento no IML, do momento do 2° reconhecimento para liberação do corpo, do assédio dos donos de funerária na porta do IML, como carros de UBER na porta de uma balada; da lembrança do último abraço, da última conversa dele falando que estava com todas as dívidas pagas, que iria terminar de tirar a CNH e comprar uma XRE, do rosto que foi serrado, não permitindo que, no caixão, fosse identificado por terem mexido na sua estrutura facial, do cachorro dele cavando o túmulo e chorando, do primeiro dia dos pais sem Ele, do meu 1°aniversário sem o abraço dele, do 1° aniversário dele sem ele, das lembranças de cada mergulho, de cada brincadeira, cada almoço, cada vez que eu brigava com ele por não conseguir segurar a máquina de cortar cabelo e fazer uma linha reta no começo do corte e ver anos depois ele se tornar um mestre na arte de cortar cabelo.

De segurar a navalha dele e sentir sua energia me dar choque na alma, da ida no hospital para seu nascimento e ver, logo após chegar no hospital de Mesquita, a mãe dele levantá-lo na janela, e sentir tudo isso misturado e não ter nada nesse mundo capaz de tirar nada, nem um flash de cada lembrança dessa. Posso te afirmar, com toda a certeza do meu coração: Dor, saudade, as pessoas pensam que sabem o que é. Angústia e arrependimento de não ter sido uma pessoa melhor pra ele, são coisas que irão me sufocar até o meu último dia. Eu só queria saber dele, se eu fui um bom Pai”, desabafo Alex Ramos.

Julgamentos

Muitas das vezes confundimos papéis e, quantos de nós, não quisemos, por algum momento, ser um juiz para aplicar uma sentença, bater o martelo em uma situação na vida do outro. A Bíblia sagrada é muito clara em Mateus 7: 1 e 2 quando diz: “Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois com o critério com que julgardes, sereis julgados; e com à medida que usardes para medir a outros, igualmente medirão vocês”.

Quantos de nós, pobres mortais, já julgamos alguém, já criticamos, já ferimos, magoamos com as nossas atitudes, como humanos, fracos, que somos.

Alex Ramos está vivendo dias de muita dor. Há oito meses que o filho foi brutalmente assassinado, em frente à sua casa. Ele me autorizou a contar a sua experiência, a sua vivência.

“Às 9h00 de hoje completaram oito meses que meu filho recebeu os disparos, neste momento em que estamos nos falando agora. Eu cheguei lá 9h53, me deparei com meu filho naquela cena. Passei por uma fase difícil com problemas com drogas, mas graças a Deus já está superado. Eu estava consciente. Eu quis saber o que a pessoa que usa crack sente para ficar preso no vício. Eu descobri que o crack , na verdade não vicia. O que vicia é o desprezo, o maltrato, a falta de amor, a falta de respeito, é o tratamento sem nenhuma credibilidade que a pessoa recebe, isso vira um gatilho para a pessoa reutilizar, reutilizar, reutilizar…Quando eu identifiquei eu falei, basta. Já entendi o que acontece com a pessoa que usa droga”.

Alex não tem nenhuma razão para esconder que usou cocaína, crack, maconha, até cogumelo ele comeu. E ele percebeu que a droga, nada mais, nada menos é do que um refúgio que a pessoa utiliza, parecido com o suicídio, só que o suicídio a pessoa que comete acha que vai matar a dor, se mata.

A droga não. O usuário quer ficar em transe, quer sair daquele pensamento. E a condição dele é receber um grande​ DESCRÉDITO. “Eu não estava nem ligando para a questão de credibilidade, o que eu não podia perder nesta vida, eu perdi, um pedaço de mim”.

A droga, como se sabe, faz a pessoa perder toda a credibilidade, o respeito, as pessoas não ouvem um usuário. “Eu vi o quanto que a gente erra com as pessoas que usam drogas. Eu entrei consciente, para justamente entender o que o usuário de crack passa para não conseguir largar a droga. Eu posso dizer, com todas as letras, Luciana, o crack é uma das drogas mais ridículas que eu já vi em toda a​ minha vida. O vício que ele proporciona é simplesmente por conta do maltrato que a pessoa recebe, vira um gatilho e a pessoa fica completamente arruinada, e o gatilho vai disparando a cada instante que a pessoa passa por um momento de aborrecimento, um momento que lembra de uma dor. Mas viciar mesmo, nada neste mundo vicia o ser humano. Deus não fez o ser humano para ser controlado por nenhuma substância. O que faz o ser humano se envolver com uma substância tóxica, é um momento que a pessoa passa. A química da droga não domina o ser humano”.

O tratamento das pessoas que estão em volta, é o que mata o ser humano, afirma Alex. “Eu não faço parte mais do cenário de viciado, só estou curando a minha mente com relação às humilhações que eu passei no período que eu utilizei, mas, quando eu vi que pessoas estavam me filmando para tentar me expor em rede social, para tentar manchar a minha imagem, eu usei mais, a céu aberto, para deixar marcado na história que, eu usei. Muita gente me filmou, debochou, e eu vi o tratamento desumano das pessoas. Eu usei em todos os lugares. Eu posso te dizer, com toda certeza, eu usei para entender o que as pessoas sentem. Eu não sou um drogado, nem um usuário, sou uma pessoa que estudou a droga no próprio corpo. Eu posso dizer, é decepcionante, decepcionante ver como as pessoas lidam com os usuários. E no meio deles eu encontrei uma palavra amiga, no meio das pessoas sensatas e amigas, eu encontrei desprezo, isso vai ficar marcado na minha mente. Eu sei lidar com pessoas que usam isso, tirar pessoas de dentro deste poço. Eu mesmo joguei minha própria corda e sai de dentro deste poço, através do meu Deus, também. Eu sei a dor que eu senti. Eu prometi, no túmulo do meu filho, que eu estaria restaurando o meu ministério e a minha vida com Deus, mas eu precisava aprender algumas coisas que o próprio Deus me mostrou. Hoje eu posso dizer que eu vi tudo que eu precisava ver. Eu vou te dizer uma coisa, Luciana: cuidado com o ser humano que é o bicho mais traiçoeiro que existe no planeta terra”.

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