Em temporada de estreia, “Besta-Fera” questiona a convenção de ‘feminino’
O espetáculo de dança-teatro da Cena Coletiva estreia em Domingos Martins e passará por Vitória e Serra
Bruxas, monstras, infanticidas, guerreiras sanguinárias, mariticidas. O espetáculo de dança-teatro Besta-Fera, da Cena Coletiva, reúne personagens mulheres que, vindas de mitologias diversas ou da literatura, negam o que a tradição ocidental convencionou como feminino: delicadeza, abnegação, instinto materno ou de cuidado, passividade, subserviência. Com estreia marcada para o dia 23 de fevereiro em Domingos Martins e apresentações em Vitória no dia 24 de fevereiro e na Serra no dia 9 de março, Besta-Fera realiza sua temporada sempre com entrada gratuita. A direção é de Carla van den Bergen e Fernando Marques.
Através dos corpos das três intérpretes que estão em cena – Gabriela Camargo, Patricia Galleto e Carmem Marques –, o espetáculo costura características de 13 personagens conhecidas e que, de alguma forma, desafiam aquilo que é tido como feminino tais como Medeia, Luzia Homem, Circe, Valquírias, Icamiabas, Hécate, entre outras. A montagem, contudo, não pretende narrar literalmente suas histórias.
“Nossa obra não pretende contar as histórias dessas mulheres mitológicas ou literárias, mas destacar características de suas histórias e personalidades que as tornam descabidas na sociedade. O que causa estranhamento, temor, horror, o que as torna monstruosas é o que nos guia nesse trabalho”, pontua Carla.
Além disso, a dramaturgia pensada para o espetáculo se orienta por uma espécie de percurso geográfico. Besta-Fera, então, passa pelo mar, mangue, floresta, sertão, cidade e fim do mundo. Todos esses lugares e atmosferas também estão presentes na movimentação das intérpretes, criada e executada de forma a considerar as diferentes vivências corporais de cada uma delas.
Para Fernando Marques, a estruturação da dramaturgia a partir dos espaços físicos foi uma tentativa de organizar o extenso material de pesquisa que o grupo reuniu previamente. “Foi um trabalho de selecionar o que usaríamos para a criação e de tentar reconhecer padrões ou traços comuns entre as personagens. No fim das contas, o que acabou ficando, como uma espécie de roteiro, foi esse levantamento dos espaços físicos onde essas mulheres se encontram ou poderiam se encontrar, porque há alguma liberdade criativa nisso também”, explica Fernando.
O cerne que une essas personagens é o desvio de um padrão de normalidade para a mulher e para o corpo feminino que elas apresentam. “Em algumas delas, há o rabo de peixe ou cobras na cabeça, mas há também aquelas com corpos totalmente humanos e que causam estranhamento ou repulsa por seu comportamento. Quem determina a normalidade ou anormalidade desses corpos femininos são os homens que as têm escrito ao longo do tempo”, destaca o dramaturgo.
Textos, imagens e movimentações
Segundo a diretora e coreógrafa Carla van den Bergen, o processo criativo de Besta-Fera partiu dos textos elaborados por Fernando Marques para cada espaço físico e cada personagem. Esse material escrito serviu de inspiração para que a coreógrafa pensasse ora em imagens, fotos e ilustrações, ora em movimentações.
“Os textos que Fernando criou para servir de disparadores do processo criativo são muito potentes e desenham imagens, ambientes, ritmos, cenários. É a partir deles, e, claro, de nosso olhar sobre eles, que o processo de criação coreográfica e de encenação se dá. Os textos das encruzilhadas, no caso dos ambientes, sugerem ritmos, movimentos e qualidades de movimento, já os textos das personagens somam a isso disparadores de muitas imagens, como fotografias. Muitas movimentações neste trabalho surgem como se estivéssemos dando vida a estas fotografias”, conta Carla.
E os textos que seriam apenas ponto de partida para a criação acabaram fazendo parte do espetáculo na voz da própria Carla, que assume papel de narradora e iluminadora, e das intérpretes em alguns momentos específicos. “Os textos, que seriam a princípio somente material para trabalho em sala, foram se tornando algo tão bonito, que passaram a fazer parte muito significativamente da poética do espetáculo, de maneira que palavra e movimento aparecem com a mesma força e muita simbiose”, diz.
Oficina aberta ao público
Com o objetivo de compartilhar o processo de criação do espetáculo Besta-Fera, o grupo oferecerá uma oficina no dia 02 de março, às 9h, na Cena Escola de Dança, em Domingos Martins. Serão 20 vagas voltadas prioritariamente mulheres e, caso não haja inscritas o suficiente, as vagas remanescentes serão destinadas a outros gêneros.
Na oficina, serão oferecidos às participantes trechos do material levantado na pesquisa para o espetáculo – sobre as personagens-base –, como ponto de partida para criações cênicas e coreográficas, que serão posteriormente trabalhadas pelas oficineiras em conjunto com as alunas, reproduzindo, de forma condensada, o processo de montagem.
A oficina é voltada para estudantes e profissionais de artes cênicas e áreas afins, e para interessadas em geral. As inscrições poderão ser feitas gratuitamente a partir do dia 20 de fevereiro (terça-feira) através de formulário disponível na internet. O link para a inscrição estará disponível no perfil @cenacoletiva das redes sociais.
Cena Coletiva nas montanhas capixabas
A Cena Coletiva se formou a partir da junção de artistas da cena que moram no município de Domingos Martins e que queriam realizar um trabalho constante na cidade, contribuir com o movimento cultural de maneira geral e das artes cênicas em particular.
Por esse motivo, o maior número de apresentações será realizado em Domingos Martins, na Cena Escola de Dança. O espetáculo também passará por Vitória, no Palácio da Cultura Sônia Cabral, e Serra, no Centro Cultural Eliziário Rangel.
“A Cena Coletiva é um grupo novo, mas une pessoas que já trabalham juntas há tempos em Vitória e que hoje, morando em Domingos Martins, consideram fundamental a relação com a comunidade local, com o entorno. Temos estabelecido uma boa troca com, por exemplo, as escolas públicas daqui, e nosso espaço de trabalho tem se tornado referência como espaço cultural local”, aponta Carla.
Fernando ressalta também a importância de garantir o acesso à arte fora das capitais, em locais onde muitas vezes não existe o hábito de interagir com espetáculos de dança e teatro.
“É necessário que as artes cênicas aconteçam em todas as comunidades, porque, se há uma necessidade humana, ela não é uma necessidade só dos humanos que vivem na capital”, frisa Fernando.
Este é um projeto contemplado pelo edital nº 014/2021 da Secult.
Serviço
Besta-Fera (Cena Coletiva)
Espetáculo de dança-teatro
Entrada gratuita
Classificação indicativa: 10 anos
Temporada de estreia:
> DOMINGOS MARTINS
23 de fevereiro, 1º, 02 e 03 de março
19 horas
Local – Cena Escola de Dança (Rua Karl Gerhardt, 27 – 2º andar – Centro)
> VITÓRIA
24 de fevereiro
19 horas
Local – Palácio da Cultura Sônia Cabral (Praça João Clímaco, s/n, Cidade Alta)
> SERRA
09 de março
19 horas
Local – Centro Cultural Eliziário Rangel (Rua Humberto de Campos, 1201 – São Diogo I)
Oficina:
02/03, às 9h, na Cena Escola de Dança (Domingos Martins/ES)
20 Vagas
Inscrições gratuitas por formulário na internet: link disponível dia 20/02 através do perfil @cenacoletiva nas redes sociais.
Ficha técnica
Dramaturgia: Fernando Marques
Coreografia: Carla van den Bergen
Direção: Carla van den Bergen e Fernando Marques
Direção de arte: Francina Flores
Trilha sonora: Deyvid Martins
Iluminação e narração: Carla van den Bergen
Elenco: Alexsandra Bertoli / Carmem Marques, Gabriela Camargo, Patricia Galleto
Sinopse
Bruxas, monstras, infanticidas, guerreiras sanguinárias, mariticidas. Mulheres que, vindas de mitologias diversas ou da literatura, negam – muitas vezes, de forma radical – o que a tradição ocidental convencionou como feminino: delicadeza, abnegação, instinto materno ou de cuidado, passividade, subserviência. Medeia, Luzia Homem, Circe, Valquírias, Icamiabas, Hécate, entre outras, são nossas companheiras nesse espetáculo.
Fotos de divulgação /Lindalva Firme