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Bianca deu a volta por cima: mulher trans, do interior e pobre, hoje é doutoranda

Bianca tem muitas razões para celebrar o dia 29 de janeiro, o Dia da Visibilidade Trans. A história dela, certamente, inspira um livro. Se tornou tese de mestrado. Hoje ela cursa doutorado.

Não pense que chegar ao doutorado foi fácil. Aliás, na vida de Bianca Santos da Silva, de 37 anos, tudo foi conquistado passo a passo. A transição para mulher trans foi um processo complexo e doloroso. Do interior de Presidente Kennedy, Bianca é da localidade de Santana Feliz, atualmente está solteira e feliz. Aprendeu a se impor e, hoje, conta sua história com emoção.

Bianca foi escolhida neste dia 29, Dia da Visibilidade Trans, para a entrevista no “Espírito Santo Notícias”, devido a sua história de superação. Aos 16 anos se descobriu gay, depois começou achar que era travesti, aos 23 foi compreendendo que a alma era feminina e não havia nenhuma harmonia com a genitália – “era algo que me causava repulsa”. Apanhou dos meninos na escola, fez xixi na roupa para não ir ao banheiro “deles”, foi expulsa de casa pelo pai; entretanto, acolhida pela mãe, a quem ela tem como mulher inspiradora: Elisabeth Santos da Silva. “Amor da minha vida”.

Cada passo para ser quem é foi vagaroso, dolorido e libertador. “Eu comecei a me sentir eu. Primeiro com as roupas, depois a hormonioterapia. Com 29 para 30 anos, comecei os atendimentos no laboratório trans, fazendo hormonioterapia. O último passo da minha transição foi a cirurgia, foi um passo muito importante para mim. Mesmo sendo algo que sonhei muito, foi um processo muito doloroso fazer esta cirurgia, mas trouxe um conforto muito grande, eu com o meu corpo”. 

A data

Na data 29 de janeiro de 2004, mulheres transexuais, homens trans e travestis foram a Brasília lançar a campanha “Travesti e Respeito” para promover a cidadania e o respeito entre as pessoas, e que mostrasse a relevância de suas ações no Congresso Nacional.  

Da roça

A história da psicóloga de Presidente Kennedy se confunde com muitas outras narrativas. A mãe sempre acolhe, na maioria das vezes escondido, porque muitos pais, como o de Bianca, são machistas. “Eu sou a filhinha do coração dela, a gente tem uma ligação muito grande, porém, meu pai sempre foi muito machista. No início, quando me assumi, ele acabou me colocando pra fora de casa, porém, minha mãe, mesmo sendo uma mulher submissa, acabou fazendo de tudo para me trazer para dentro de casa de novo. A construção da mulher que eu sou hoje devo muito a minha mãe, que sempre teve muito amor e sempre me acolheu. A minha inspiração de mulher é a minha mãe”.


Escola X sofrimento – Ensino Fundamental


Relatou Bianca que a tese degraduação de psicologia dela foi Lgbtfobia na escola. Anos depois de passar pelo Ensino Fundamental e médio, ela resolveu pesquisar o motivo de o ambiente escolar ser tão transfóbico e preconceituoso. E descobriu com números que nada havia mudado, tanto professores como alunos ainda cometem transfobia. Na época de sua 5ª série, em diante, estudar significa sofrer, apanhar, ser humilhada. “Sempre foi um ambiente que eu sofri muito. Eu vivi em paz na escola até a 4ª série, que eu estudava na escola pluridocente “Santana Feliz”. Quando fui estudar na Escola Estadual, tudo mudou.  Sofri muito bullying, eu apanhei. Eu evitava ir ao banheiro, me lembro uma vez que eu não aguentei segurar a vontade de fazer xixi e desci correndo para ir ao banheiro da praça para não ir ao banheiro da escola, porque lá eu apanhava. Eu me urinei todinha, por conta de não poder ir ao banheiro. Sempre, na saída, tinha um paredão, várias vezes eu passei por um paredão de menino me batendo. No ônibus, uma vez eu levei uma chuva de pedrinhas. Eu passei por muita humilhação na escola”. Como os irmãos de Bianca havia parado de estudar, ela que não trabalhava tinha obrigação de concluir o ensino médio. “Foi muito difícil. Além disso, eu era obrigada a fazer educação física com os meninos. Era muita humilhação que eu passava por conta da Educação Física”. Para tentar sair daquele sofrimento e humilhação, Bianca decidiu estudar à noite, e foi cursar o ensino médio noturno. “À noite eu tive um episódio de transfobia e agressão, só que aturma que eu estudava comprou a briga. Através daquela turma eu comecei a ter paz na escola, no segundo e terceiro ano”.  

Graduação

“Quando eu entrei na faculdade foi logo no início da minha transição. Eu tinha características muito fortes de uma mulher trans que estava na transição. Logo então, quando eu cheguei, acabei chamando muita atenção na faculdade. Naquela época nós ainda não tínhamos o direito de usar o nome social, foi algo que eu logo solicitei, porém, foi negado. Eu consegui usar o nome social por volta do 5º período, pois saiu uma resolução do MEC que eu passei a ter direito. Na faculdade, os professores me entediam muito bem. Eu chegava para cada professor e conversava. Eles iam colocavam na frente do nome, Bianca. Pouquíssimos professores não me chamavam pelo nome Bianca. Metade da minha graduação eu não tinha direito ao nome social, eu tinha de ficar negociando com o professor”. Na primeira semana de aula foi chamada na reitoria convidada a usar o banheiro dos professores, porém ela não aceitou. “Falei: eu sou como uma aluna qualquer, os professores do curso de Direito me acolheram, a coordenadora do curso de psicologia também, por mais que tivesse vários impasses daqueles burburinhos com os alunos, eu fui acolhida por alguns professores. Eu comecei a sentir que aquele espaço também era meu. Por mais que várias pessoas falassem que não era. Este espaço é meu e eu posso estar aqui. A cada problema que acontecia me servia como combustível. Foram difíceis as coisas que passei na graduação, mas também foi muito bom mesmo. A cada período que passava, mais vontade eu tinha de estudar, e eu fui me tornando uma nova mulher”.

 Educação


A educação mudou a vida de Bianca, como muitas outras vidas, tal qual o acesso ao emprego. Ela conta que, começar a trabalhar trouxe dignidade. “Quando eu comecei a trabalhar, comecei a ter dignidade, a ter acesso ao básico: roupas, comida. A educação me deu força para poder me impor. De dizer: isso não, meu deu voz. Eu não tinha voz, eu era uma pessoa que não sabia se impor. Eu abaixava a cabeça. Até mesmo as agressões verbais e físicas que eu sofri. A educação me fez me tornar uma mulher poderosa, que tem o poder de estar onde eu quiser. A educação me deu este poder!


Psicologia

O sofrimento passado em toda a vida a levou à faculdade de psicologia. “Eu disse a mim mesma: eu quero ser psicóloga. Assim como eu sofri muito, eu quero ajudar outras pessoas. É um curso que abriu vários horizontes. Abriu a minha maneira de ver o mundo mesmo. Eu sou uma pessoa que também faz terapia. A terapia me ajuda muito enquanto pessoa, enquanto ser humano”. 


Saiba mais

Bianca Santos da Silva, 37 anos é formada em Psicologia pela Multivix, em Cachoeiro de Itapemirim, possui duas pós-graduações: Psicopedagogia Clínica e Educação Inclusiva.  É mestre em Ciência Tecnologia da Educação e doutorando em Desenvolvimento Regional e Gestão de Cidades Graduação: TCC – Lgbtfobia na escola – Tese de Dourado: Empregabilidade trans no ES.

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