Crônica: Vendo a madrugada passar devagar

Neste dia 26 de julho é uma data muito especial, comemora_se o dia dos avós. Em homenagem a todos e todas as vovós dedicamos esta crônica

*por Luciana Maximo

São 03h37 da madrugada. A noite é longa. Uma noite quase não dormida. Estou aqui com vovó, ela tem 94 anos. Tosse muito e não quer ir ao médico, por nada. É teimosa.Entre a tosse e o corpo já debilitado, a demência, processo natural da idade. Já fora diagnosticada com Alzheimer, doença progressiva que destrói a memória e outras funcões mentais. 

Sinto que ela gosta muito de ficar comigo, e, por isso, eu venho ficar com ela duas vezes por semana e, se necessário, outros dias.Eu amo prosear com ela sobre as lembranças de antigamente. Mesmo que repita a história do lobisomem, os bailes de Iconha, os garfos, as saias, a tesoura, as linhas e a aliança que sumiram. Do presente, ela tem poucas lembranças, os netos que pouco vêm vê-la, não se lembra dos nomes. Eu gosto de colocar vídeos para ela se entreter… Com toda paciência do mundo, não me inporto que ela conte mil vezes a mesma narrativa. “Cáudia pegou meus cartões e me deixou sem um dinheiro para comprar nada”. ( Se refere aos envelopes com o pagamento).

Eu gosto de trazer tapioca, brevidade, cavaco da Padaria da Família. De vez em quando eu faço um churrasco para ela e trago cerveja sem álcool, ela gosta muito, assim como de Coca Cola. Domingo passei a tarde toda com ela, fiz broa de fubá, ela não queria muito, mas comeu um pedaço acompanhado com uma caneca de café. É bom vê_la feliz. Doente, não, fica monossilábica.Esta noite tá “cumprida”, as horas parecem não passar.Eu me senti mal, com náuseas, por volta das 0h00. Às 1h30 tomei, equivocadamente, Brometo de Ipatrópio, sem óculos, achei que fosse Brumoprida. Logo vi que não tinha gosto. Peguei o óculos e vi que podia passar mais mal ainda. Meti o dedo na garganta e vomitei tudo. Tive diarreia. Talvez tenha sido o angu com carne moída que jantei. Ou quem sabe o mingau de aveia que tomei à tarde. Bebi água e mais água, melhorei. 

Vovó não parava de tossir. Já havia dado o xarope, e ela não melhorou nada. Mas a aqueci bem e coloquei minha touca nela. Eladormiu, e eu tentei cochilar, mas teve mais um acesso de tosse e eu decidi fazer uma nebolização. Já era mais de 3h00. Não conhecia a maquininha e não sabia como fazer o procedimento, e nem o que tinha de colocar no frasco. Fui pesquisar na internet. Pronto, deu certo. Agora ela dorme melhor e a tosse deu uma trégua. Na rua uma latição danada de cachorro que parece ter uns oito enfurecidos. Daqui a pouco o galo canta em algum terreiro. E já que não vou mesmo pegar no sono, vou ver se tem polvilho para preparar um biscoito para vovó, quando acordar, tomar uma caneca de café com biscoito de polvilho, e, quem sabe eu a convenço de lavá-la ao Hospital; senão, vou tentar um médico que venha aqui medicá-la. Lá fora choveu, timidamente, e os botões das flores estão quase desabrochando.

A toceira de cana e o pé de urucum parecem agradecer a água que cai das nuvens e molha todo o quintal.Que merda! Tem goteira na cozinha, vou chamar Bebeto para ver e dar um jeito de consertar.Eu sigo por aqui à espera do fim da madrugada para eu me levantar e fazer o café, enquanto o dia vai surgindo bem devagar. E se eu dormir de dia, terei tido um bom motivo. Só espero que não aconteça nada para que eu tenha de sair, às pressas, para noticiar.E, vovó tossiu de novo, agora já são 4h03.

Bom dia…

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