Protestar sim, mas sem promover aglomerações

Eu, cidadã negra, lamento a perda absurda de mais uma vida vítima de racismo. Neste momento muitas mães de “Georges Floyds” estão sofrendo mundo afora. Essa matança brutal deve parar. Cada morte de um negro é uma ferida aberta no coração da humanidade e uma marca vergonhosa e perpétua na nossa história. O racismo prospera quando ficamos em silêncio. Por isso, não podemos nos calar. A discriminação é um problema de todos e a luta também deve ser. Mas não podemos permitir que essa luta se transforme em ódio, pois a batalha da população negra é contra o ódio, sempre foi contra o ódio. Se agirmos da mesma forma que os racistas, não seremos melhores do que aqueles cujos pensamentos buscamos mudar. 

Mas não podemos nos esquecer que vivemos um momento atípico, no qual o mundo sofre também com os efeitos da pandemia. Então, vamos ter consciência e nada de promover aglomerações, pois assim, também seremos cúmplices de milhares de mortes espalhando o coronavírus.

Podemos e devemos nos pronunciar para garantir que todos os policiais envolvidos no assassinato de George Floyd sejam julgados de acordo com a lei, pois precisamos de justiça. Eu chorei quando vi a cena daquele monstro ajoelhado sobre o pescoço daquele homem por quase 9 minutos. Chorei quando ouvi o sussurro do moço dizendo “por favor, eu não consigo respirar”. Nossas cicatrizes são antigas. Foram iniciadas pelo sofrimento dos nossos ancestrais, estendidas até a data de hoje, e sei que falta muito para vencermos essa guerra. Mas esse não é o momento de ir às ruas. 

Vamos batalhar para que isso nunca mais aconteça usando a arma mais poderosa que temos no momento: a velocidade da informação. Organizemos protestos virtuais para mobilizar autoridades e despertar a consciência da sociedade civil. Criemos uma corrente online forte para denunciar o uso de força excessiva de alguns policias. Também não podemos esquecer que muitos desses policiais são negros ou são assassinados no exercício da função e que a intolerância tem se abatido sobre a humanidade. Que meninos e meninas são mortos nas favelas apenas por não terem suas peles brancas. 

Isso não justifica as manifestações presenciais contra o ódio, promovendo o vandalismo e principalmente sem respeitar o distanciamento. O povo acha que patrimônio público não tem dono, – mas ei, você, – patrimônio público é da população. Quebrar tudo gera mais pobreza, pois o dinheiro que poderia estar sendo aplicado em ações humanitárias será destinado para os consertos das quebradeiras e, se tivermos sorte, sem nenhum desvio. 

Neste momento, o Congo sofre com mais uma pandemia de Ebola agravada pelo Covid-19 e mesmo assim, vamos às ruas? Estamos realmente buscando justiça pelos assassinatos dos “Georges Floyds” espalhados pelo mundo? 

Não podemos continuar de olhos fechados para o sofrimento alheio, amargurados e destilando ódio exatamente como os nossos opressores. 

Vamos enfrentar o medo e a raiva que sentimos pela ignorância do racismo com a força que sempre foi inerente ao nosso povo africano: espalhando amor, com esperança que ele, o amor, possa transformar a humanidade. Chegou a hora de rever nossos valores. Toda vida é preciosa!

*Isa Colli, jornalista e escritora – e-mail [email protected]  www.isacolli.com

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