Você conhece a crônica “Iconha”, escrita por Rubem Braga em 1951? Confira!

Iconha – como isso era longe, na minha infância. Lembro-me de um menino que me espantou porque viera de uma fazenda “pra lá de Frade, para além do Rio Novo, em Iconha, perto de Piúma…”

Eu pensava ir a Iconha tão vagamente como hoje penso em ir ao Tibete. E agora, depois de uma rápida voada em automóvel, descubro que estou em Iconha.

Não é muita coisa: quase apenas uma rua, uma casa bonita, dessas que se faziam no fim do século, sólidas, sóbrias e dignas, sem entretanto o ar comercial e horrendo dessas casas “modernistas” de platibandas retangulares que hoje infestam Cachoeiro e todo o interior do Brasil.

Mas Iconha me encanta pelo seu milagre pastoril. A pracinha é dominada por um morro alto, muito verde, cortado diante de nós por um talude de terra vermelha. E lá em cima pastam dez a doze bois brancos. Eles dominam assim o centro da cidade; no fim da rua há outro morro alto povoado por outros bois brancos. Atrás deles o céu muito azul, com algumas nuvens redondas. De repente, na curva do morro, contra o céu, passa de crinas ao vento um cavalo preto, de um preto intensamente luminoso nesta tarde já chovida que o sol veio de despedir. Pode ser um cavalo pequeno e magro; mas assim, no alto, entre esses sossegados bois brancos, é uma aparição de sonho.

Chegam homens da roça, os botequins de cachaça se animam. O sol se esconde, Iconha vai jantar.

Quando passamos de volta, ela está adormecida sob as estrelas, abençoada pelos seus bois brancos.

 Abril, 1951
Rubem Braga 

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