SILENCIO E DOR NA REDAÇÃO – Adeus Carmem e Valdete

Mais de 20 anos de jornalismo, sete exclusivo de editoria policial. Já estive em centenas de cenários horripilantes. Sim. Já fiquei em bordel com garotas de programa, fingi se uma por alguns minutos, precisava ver cenas reais para justificar uma reportagem foda.

É verdade, eu não sou formada em jornalismo, nem em publicidade, muito menos em propaganda. Eu decidi cursar Letras/Literatura para aprender a escrever, eu sonhava em ser escritora. Tornei-me, escritora do mundo real.

Eu sei que erro todos os dias. Como letras, odeio a porra da gramática e não me dou bem com a tal das subordinadas. Entretanto, gosto das conjunções e me delicio com as figuras e linguagem. Fato é, eu gosto é de literatura!

Eu gosto de poesia, eu amo a crônica e me excito com um conto erótico. Já vivi um romance policial e vou concluir meu livro, acredite.

Eu erro e como letras! Não sou perfeita. Mas foi nesta trincheira chamada jornalismo que me fiz conhecer e hoje, tenho milhares de seguidores que adoram saber das notícias e, pode ter certeza, a maioria acredita em nossas matérias.

Ponto pra nós. Já escrevi sobre tudo que é assunto envolvendo violência. Acidente com quatro vítimas da mesma família. Ônibus que bateu, pegou fogo e matou mais de duas dúzias de pessoas carbonizadas.

Hoje, 07 de novembro, minha voz se calou durante horas. Na minha garganta tem um nó que não desce, meus olhos choramingam lágrimas que insistem em não parar de cair.

Eu conheci um pouco da Carmem. Todos os dias nos falávamos pelo WhatsApp, logo após a mensagem de bom dia. Comprei a causa da Valdete e brigava sempre pelas duas. Cada grito de Carmem, eu parava para ouvir. Tinha dias que ela me falava, “Luciana eu sei que você é uma mulher ocupada, quando puder fala comigo”, ela não precisava me dizer mais nada, estava faltando algo e a prefeitura era a vilã, como sempre.

Nestes últimos quatro dias, Carmem não falou comigo. Carmem não visualizou minhas mensagens, Carmem estava morta.

O destino é assim, prega essas peças na gente.

Logo cedo fui a delegacia, e de repente, Mara chega apressada. _ “Não posso falar com você agora, daqui a pouco te ligo”. Mara não mentiu. Ela me ligou seguidas vezes, na moto, eu não ouvi. Quando vi a quantidade de ligações e vi as mensagens… Pirei. Mara me passou o endereço: Rua A, casa 27. Eu disse, Carmem!

Fui desvairada de moto pelas ruas da cidade, corri perigo, cortei ônibus, carros e motos, quase cai no quebra-molas. Cortei os morros do Lago Azul atrás da Rua A.

Que ódio, na minha pressa diária, eu nunca fui lá antes, Carmem me chamou tantas vezes!

Eu briguei com a Prefeitura, chamei pra dentro o secretário de Obras, mandei mensagem malcriada ao prefeito, quase xinguei Mateus Motta… A casa 27 fica próxima a um barranco. Eu consegui até caminhões de barro para melhorar o acesso lá. Eu jurei e não cumpri que ia construí o tal muro lá, ia pedir ajuda, ia para as ruas, ia brigar e bater por Carmem e Valdete.

Hoje eu fui lá. E lá, eu pisei no quintal, eu vi os gatinhos, eu não quis ver os corpos.

Eu não acredito em nada disso que escrevi sobre a morte delas. Valdete tinha dito esses dias que preferia morrer que ficar sem Carmem e não é que ela morreu.

Estou presa na redação, emudecida, choro, pensando nos filhos doentes abandonados pelo destino que o ódio os alimenta para se tornarem assassinos cruéis e covardes.

Em mais de 20 anos esta notícia me faz silenciar e não querer mais hoje falar com ninguém. ESTOU DE LUTO!  Adeus Carmem e Valdete. (Perdoe se achar erros neste texto).

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