O amor de Vanessa, a mãe do Lucas, a nossa amiga…

“Se eu morasse aqui pertinho, todo dia eu ia te ver”…

Um rio de águas turvas, calmo, um mangue margeando-o, um caiaque, dois remos, um vestidinho estampado de chita, uma menina órfã travessa que adorava nadar, brincar de pique esconde e pique bandeira, queimada e amava pescar piabas…

Aos três aninhos ficara órfã numa tragédia sem precedentes, o homem que se dizia pai, possesso de ciúmes, egocêntrico e machista matou a mãe no meio da rua a facadas na presença de várias testemunhas. Ivanete Ramos deixara a sua única menina que fora acolhida pela doce vovó Ubiraci Serafin Ramos.

Ubiraci, a vovó que um dia viu esta menina travessa, vestida com o seu vestido novo de chita estampado, entrar no rio em um caiaque que achou e jurava que era dela. Do fundo do quintal vovó gritava para que ela voltasse, e se não voltasse naquele momento levaria uma ‘coça’ de vara de goiaba. O que ela não esperava era que o caiaque fosse virar na correnteza e ela fosse estragar o vestido novo. Não adiantou subir no pé de árvore e passar o dia para não tomar a surra prometida, por ter estragado o vestido novo, galinha de casa não se corre atrás…

Ivane Ramos de Carvalho, viveu sua infância com as primas, fora tratada como irmã pelas tias Ieda e Dedete. Morou na Avenida Beira Rio, numa casinha simples de fundos para o rio.

Pra ela a vida foi breve e a felicidade partilhou com todos ao longo dos seus 45 anos, amando as coisas mais simples deste plano. Um violão, gatos, cachorros, piqueniques, banho de cachoeira, pescarias no rio, cata de sururu nas pedras, mergulho no mar, churrasco em casa e na casa dos melhores amigos: cinco cervejas, três tomates, uma cebola e um quilo e meio de picanha, a farofa que ela fazia questão de fazer com alho picado e uma pitada de coloral… Tinha de ser quando dava vontade. “Cabô cabô”…

Essa menina travessa teve apelidos entre amigos, gostava de namorar, pegava todas, num dado momento da vida, consciente de sua brevidade neste plano, que ela sabia iluminar com a sua solidariedade e doutrina kardecista, escolheu ter o Lucas, o seu menino fotógrafo. Foi tudo pensado, ela queria mesmo ter um filho e ensiná-lo como pode se viver num plano onde a humanidade se corrompe, se suja com pouco e machuca por nada.

Ivane encontrou Vanessa numa escola. Ela era professora. A menina se apaixonara e decidiram enfrentar tudo que fosse preciso para ficarem juntas. O que talvez Ivane jamais pudesse imaginar é que aquela menina da escola, tímida, quieta e na dela , aquela que ela dava em cima fosse aprender a dirigir contra a vontade dela, fosse aprender a resolver as coisas sozinhas e fosse a mulher que iria abrir mão da própria vida para amá-la incondicionalmente e cuidar dela até o último instante.

Um breve rápido pulsar, assim foi a trajetória de Ivane, que lutou bravamente a vida toda. Ficou órfã, encarou o medo, a ausência da mãe ainda menina, engravidou, estudou, escolheu ser professora para fazer o que mais adorava, compartilhar conhecimentos com todos por onde passava.

Devoradora de livros, leu tudo que quis, amante do cinema, não perdia um longa-metragem, encantada com a natureza, corria atrás de cachoeiras. O mar para ela sempre foi uma das obras mais sublimes do universo. O mergulho, nadar… O Vale do Orobó, um encantamento que ainda neste último domingo, falara em meio a piques de alucinação que fizera um lindo passeio naquela tarde.

Ivane, não há como descrever sua essência, a lição de vida que deixou para nós que tivemos a sorte de tê-la como amiga.

Sua simplicidade e grandiosidade certamente estão a contar neste momento em que o Pai todo poderoso te recolhe. Escolher a blusa mais batida para o seu funeral, a capela mais simples e miudinha, tudo com muita simplicidade mostra que o peso da sua alma é mesmo semelhante ao bater de asas de um pequeno pássaro. Deve ser por isso que disse ao Lucas, que iria voar por estes dias, mas não sabia para onde ia.

Voe imensamente, minha grande amiga Ivane. Pra mim ficarão para sempre todos os detalhes magníficos que passamos: O passeio a Ilha do Gambá, os inúmeros passeios, os piqueniques, as festas de Corpos Christis, as exposições. O nascer do sol belíssimo entre as ilhas, a simples caminhada na areia, as voltinhas rápidas de bicicleta e a contemplação do maior espetáculo, o pôr do sol alaranjado por detrás do Monte de Ver Deus. O verão e a sua luz, o mar e o seu infinito, a educação e as inesquecíveis aulas que seus alunos hoje estarão relembrando.  Um dia a gente se encontra de novo, descanse em paz…

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