Homens são maioria dos novos casos de HIV no estado

Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), em 2020 foram notificados 813 novos casos de HIV/Aids no Espírito Santo, sendo 615 em pessoas do sexo masculino (75,6%)

Isaque de Oliveira tinha apenas 19 anos quando descobriu que tinha o vírus HIV. “Contraí o vírus no início da minha vida sexual. Eu perdi minha virgindade com 19 anos, em fevereiro. Contraí o vírus em novembro do mesmo ano. Tive relação com uma pessoa que não conhecia. Anos depois, descobri que essa pessoa era soropositiva. Ela era revoltada e transmitia o vírus intencionalmente”, lamenta.

Patrick Teixeira também descobriu a sorologia positiva cedo, aos 21 anos. “Eu tinha o hábito de fazer exames anuais. Fui fazer o exame com um ex-companheiro. Ele já estava positivo e se tratava. Foi assim que eu descobri.”. Patrick conta que sempre soube do grande risco de contaminação pela atividade sexual. “Por isso, sempre tive muito cuidado, mas acabou acontecendo. No início, foi um baque muito grande. A ficha não caiu.”

As histórias de Isaque e Patrick retratam o cenário atual da contaminação pelo vírus HIV no Brasil e no Espírito Santo. Os homens lideram as estatísticas, especialmente os jovens. Os casos servem de alerta neste 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta contra a Aids.

Dados

Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), em 2020 foram notificados 813 novos casos de HIV/Aids no Espírito Santo, sendo 615 em pessoas do sexo masculino (75,6%).

No Espírito Santo, 14.841 pessoas são soropositivas, 69,5% são homens. É o que diz o Boletim Epidemiológico 2020 do Ministério da Saúde e o Boletim de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)/Aids ES número 36, do Sistema de Informação de Agravos de Notificação/Sinan e e-SUS.

Em 2019, foram notificados 710 novos casos de Aids no estado. Já em 2020, foram 249 novos casos da doença. A principal forma de transmissão do vírus foi por relações sexuais (99%).

Boletim Epidemiológico de Aids mais recente publicado pelo Ministério da Saúde, em 2020, corrobora a tendência de crescimento de casos entre pessoas mais novas, especialmente entre jovens de 15 a 29 anos.

Diagnóstico precoce e tratamento

O Espírito Santo segue em queda no número de pessoas com Aids devido ao diagnóstico precoce da contaminação pelo HIV e outros indicadores utilizados para avaliação do Ministério da Saúde. O estado está em sétimo lugar no ranking brasileiro dos que mais detectam o vírus precocemente. 
 
Vale lembrar que ser soropositivo, ou seja, ter o vírus HIV, não é o mesmo que ter Aids. HIV é o vírus da imunodeficiência humana que causa a doença Aids. Ele ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças.

O infectologista Paulo Peçanha explica que uma pessoa com HIV e até mesmo com a Aids já avançada pode ter qualidade e expectativa de vida normais, iguais às de pessoas sem o vírus em razão dos remédios que existem hoje no mercado. “Quando tomada corretamente, mesmo com a doença já desenvolvida e até avançada, a medicação torna a carga viral indetectável. Esse é o objetivo do tratamento. Hoje há remédios muito eficazes, que geram pouco efeito colateral.”

O médico ainda alerta para o perigo de relaxar no tratamento, mesmo com o vírus indetectável. “Caso a pessoa relaxe e não tome corretamente a medicação, a doença volta, ou seja, a carga viral torna-se elevada novamente. E volta pior, mais resistente aos remédios. É preciso ter cuidado”, pontua.

O médico destaca ainda que não há mais que se falar em “grupo de risco”. “A transmissão do HIV é quase totalmente por via sexual. Todos podem pegar o vírus, independente do comportamento sexual. As pessoas precisam focar na prevenção, no uso de preservativos. O HIV também é transmitido por sexo oral, vale lembrar. Isso vale para todos”, destaca.

“Apesar de haver medicação que dá qualidade de vida a quem tem vírus com menos efeitos colaterais do que antigamente, vale lembrar que a pessoa que pegar o vírus terá que tomar medicação o resto da vida, bem como seu parceiro ou parceira, que terá que fazer o tratamento preventivo, o que significa uso de medicação contínua”, alerta Peçanha.

Segundo o Ministério da Saúde, há muitos soropositivos que vivem anos sem apresentar sintomas e sem desenvolver a doença, desconhecendo o fato de que são portadores do vírus. Por isso, é importante sempre fazer exames e se proteger, uma vez que mesmo sem sintomas o vírus pode ser transmitido.

Preconceito e desinformação 

Segundo Isaque, a falta de informação e o preconceito são empecilhos à prevenção da doença. “O que eu sabia sobre HIV é o que todo aluno do ensino médio sabe. Que é uma doença sexualmente transmissível. Sabia o básico. Peguei o HIV sem ter muita informação. Eu achava que HIV era uma doença que estava longe de mim, que só pessoas promíscuas pegavam. Eu era preconceituoso e leigo. Eu não pensava que o HIV poderia estar em qualquer pessoa e que eu poderia contrair o vírus por um pequeno descuido”, revela.


Isaque conta que viveu muitas fases desde o diagnóstico, desde ter nojo de si mesmo, negar a doença, até assumir uma postura de luta contra o preconceito e a desinformação. “No início, foi difícil ter que fazer o uso diário da medicação, ter que conversar com minha família e ouvir várias palavras preconceituosas. Ouvir que iriam separar os talheres e os copos. Ouvir que eu iria morrer. Até hoje sofro preconceito nos relacionamentos, no trabalho. Eu já fui demitido da lanchonete em que eu trabalhava. Um cliente protestou que não queria ser atendido por um ‘aidético’ porque havia me visto em uma reportagem falando sobre o HIV.”

Patrick também demorou a absorver a sorologia positiva. “Eu não comecei o tratamento assim que descobri. Tive a fase de aceitação da minha sorologia positiva. Descobri em 2013 e só comecei a me tratar dois anos depois.”

“Por conta da desinformação, a pessoa que se descobre HIV positivo pode entrar em processo de depressão e até mesmo correr risco de suicídio. É possível que esses jovens não busquem tratamento por acharem que o HIV é uma sentença de morte”, destaca Patrick.

Hoje Isaque não está com a doença ativa em razão do tratamento que realiza. “Hoje eu estou bem, tomo minha medicação, faço os exames periódicos. Estou indetectável. Não transmito o vírus”, comemora. Patrick também está com vírus indetectável. “Fiquei indetectável já no segundo mês de tratamento”, conta.

Atualmente, um total de 13 mil pessoas vivendo com HIV/Aids estão em uso de terapia antirretroviral nos 27 Serviços de Atendimento Especializado em IST/HIV/Aids municipais, de acordo com dados da Sesa.

Rede de apoio

Receber um diagnóstico de HIV positivo pode ser um susto. Por isso, é muito importante que a pessoa soropositiva seja acolhida e orientada. Depois de ter sido coordenador por quatro anos da Rede Jovem ES +, hoje Isaque é membro do grupo que realiza trabalho de acolhimento, prevenção, adesão e orientação de jovens e adolescentes vivendo com a doença no ES. “Fizemos uma capacitação para jovens falando de HIV e doenças sexualmente transmissíveis, com apoio da Secretaria de Saúde. Foi um trabalho muito bonito que levou informação para as pessoas”, lembra. Patrick é o atual coordenador da Rede no biênio 2020-2021.

Isaque relata que o acolhimento e a orientação recebidos na Rede Jovem ES + foram fundamentais para lidar com o diagnóstico. “Graças a Deus conheci a Rede Jovem ES +. Aprendi o que é HIV e como adequar minha vida à nova situação. É uma infecção com a qual vou conviver o resto da vida, que eu teria que tomar medicações controladas diariamente que iriam me trazer algumas reações, que eu teria que saber lidar com o preconceito. Eu digo que nasci novamente.”

Veja onde buscar atendimento

Patrick explica que há duas redes no país: a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+ Brasil) e a Rede Nacional de Adolescentes e Jovens que vivem com HIV e Aids (RNAJVHA). Cada estado tem sua forma de trabalho. “Temos um trabalho mais voltado para o acolhimento dos jovens aqui no estado. A Rede representa os jovens junto ao serviço de saúde e ao governo na busca de melhorias. Também faz fiscalização dos serviços. Checamos se o jovem está sendo atendido, se há médico, se há medicação. Caso algo não esteja funcionando como deveria, tentamos intervir junto à política local”, explica.

O coordenador conta que o jovem chega ao grupo, em regra, muito desinformado e triste. “Quando mais cedo se descobre, maior o baque. A principal característica dos jovens é que eles têm muitas dúvidas. O que tomar, como tomar, possíveis efeitos, como será a qualidade de vida. Na Rede há muita troca de experiências e isso é muito importante para esse jovem”. A Rede Jovem ES + trabalha em conjunto com a RNP + Brasil, com os Conselhos de Saúde, representações e ONGs.

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