“FELIS NATAL!”

Há alguns anos, quando estudava a psicanálise nos contos de fadas, a professora que lecionava a disciplina de Literatura Infantil falou-nos que precisávamos nos preocupar, ao contar uma história para as crianças, se elas iriam se identificar com o vilão da trama, pois, caso isso acontecesse, provavelmente, haveria algo de errado com esse ser infantil. Assim, na época, fiz um teste, li para a minha filha “Chapeuzinho Vermelho” e no final perguntei qual personagem ela mais tinha gostado e, para o meu alívio, ela não se identificou com o Lobo Mau.

Porém, o tempo passou, e na velocidade frenética dessa sociedade líquida, os valores estão completamente invertidos, tem muita gente se identificando com o Lobo Mau e com todas as crueldades que ele representa. Essa empatia com a crueldade fez com que o ser humano fizesse coisas absurdas, como sentar uma barra de ferro em um cachorro indefeso e abandonado por ele ter cometido o delito de estar deixando o espaço de uma grande e famosa loja mais feio. O cachorro não sobreviveu, mesmo com os cuidados que outros seres humanos, ainda não corrompidos pela maldade, tiveram para com o animal. Interessante notar que, mesmo com tanta repercussão na mídia, a cada dia, mais um bichano sofre maus-tratos pelas mãos de tantos antagonistas que outrora só existiam na ficção, mas que agora podemos esbarrar neles, na vida real, em qualquer canto.

Há também o fato da meiga menina que tem alopecia areata, doença que provoca a queda de cabelo, e, para evitar olhares curiosos, ela resolveu usar perucas, mas que acabavam deixando seu couro cabeludo em carne viva. Por isso, resolveu aposentá-las e teve o total apoio da família, pois todos gostam dela do jeito que ela é. Então, aceitou-se e fez uma linda tatuagem na cabeça. Mas, um belo dia, um senhor dirigiu-se a ela como “aquela menina careca”, esquecendo-se de que ela tem um nome, uma família que a ama, que ela é inteligente, muito educada, sensível, uma flor no meio de tantos espinhos que brotam cada vez mais em nossos jardins. Caro senhor, muita gente ainda preza pela tolerância, pelo carinho e amor ao próximo. Não custa nada perguntar o nome ou se dirigir a outrem de uma forma mais carinhosa. Ah, também não é feio pedir desculpas!

Como se não bastasse, há ainda quem se utiliza das redes sociais para debochar de pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades que elas em relação à escolaridade, assim como aconteceu com o senhor que, na maior boa vontade e um espírito natalino aguçado, desenhou na grama um “Felis” para desejar ao seu semelhante um excelente Natal. Infelizmente, mais uma vez, as pessoas se trajaram de Lobo Mau e ofenderam-no como se a palavra em questão fosse mais importante que a ação.

Não sei se por aí as pessoas escreverão “feliz”, “felis” ou “felix”, mas seria interessante que os vilões continuassem apenas nas histórias fictícias para que o nosso Natal e o próximo ano fossem regados de muito amor por pessoas que transbordam bondade, pois assim não será necessário chamarmos o Caçador já que o Lobo é do bem.

 

Foto/ Reprodução da internet

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