Artigo – O termômetro não é a febre

*por Vera Valente

Passado um ano da declaração de pandemia do coronavírus, era de se esperar que o país estivesse em situação menos assustadora da que nos encontramos. Infelizmente, não tem sido assim. O recrudescimento da covid assusta não só pelos recordes de mortes e pela dificuldade da imunização. Preocupa também por novos choques de demanda que deverão jogar os custos dos tratamentos ainda mais para cima.

O desafio não é novo, tampouco particularidade brasileira. Saúde é item cada vez mais caro em qualquer lugar do mundo. Controlar sua espiral ascendente tornou-se uma das missões centrais de quem lida com a prestação de um serviço cujas energias precisam estar voltadas a curar e salvar vidas.

Na pandemia, a escassez de insumos, a concentração da produção em poucos fornecedores globais e a alta do dólar jogaram mais gasolina nos custos da saúde. Segundo a Fipe, preços de medicamentos para hospitais subiram em média 13,6% desde fevereiro de 2020 – no caso do grupo terapêutico do aparelho digestivo e metabolismo, a alta foi de 64%. Outro exemplo: uma diária em UTI para tratamento de covid custa, em média, o dobro de uma internação clínica ou cirúrgica.

A saúde suplementar sofre efeitos diretos desta escalada. Planos de saúde funcionam como caixa de ressonância de custos que incidem sobre toda a cadeia de prestação de serviços de saúde. Essas despesas crescentes resultarão em reajustes e mensalidades mais altas, espantando usuários e dificultando quem sonha com o acesso à saúde privada. É urgente conter esta dinâmica, sem, contudo, apelar para soluções milagrosas – como suspensão de reajustes, congelamentos de preços e outros truques que só agravam a moléstia.

A escalada de custos não é nova. Desde 2014 até os 12 meses terminados em setembro de 2020, dado mais recente disponível, as despesas assistenciais aumentaram 16,8%, já descontada a inflação. Isso mesmo com 3,1 milhões de beneficiários a menos. Logo, em termos per capita a variação real das despesas nestes seis anos foi de 24%.

Dirão alguns que as despesas caíram na pandemia. É verdade. Mas isso só ocorreu num curto período. Tal movimento se inverteu a partir de junho, quando os beneficiários voltaram a buscar os serviços de saúde. Atendimentos postergados no início da covid aceleraram-se desde fins de 2020 e agora a sinistralidade – percentual de receitas consumidas para pagar despesas assistenciais – já se encontra em nível ligeiramente superior ao nível histórico desta época do ano.

Salvo esses raros espasmos, a curva de alta dos custos na saúde é praticamente contínua. Uma série de fatores conflui para esses aumentos. Há, de um lado, mudanças estruturais no perfil demográfico mundial. Estamos vivendo mais, o que é muito bom, mas é direto o impacto na demanda por cuidados mais caros dispensados a idosos e doentes crônicos.

Também estamos inovando mais, com efeito peculiar sobre o setor. Na saúde, diferentemente da maioria dos segmentos econômicos, novas tecnologias resultam em preços muito mais altos do que o das alternativas disponíveis, uma vez que não há substituição de antigas inovações pelas novas, mas sim sobreposição.

Um terceiro fator é o uso por vezes exagerado de procedimentos de saúde pelos pacientes. Desde 2015, a média de exames por beneficiário dos planos aumentou 30%; a de consultas, 10,4%, e a de internações, 15,7%. O brasileiro realiza, em média, o dobro de exames de ressonância magnética do que um paciente da OCDE, por exemplo. Trata-se de uma questão cultural e também decorrente de modelos de assistência que acabam incentivando excessos e não desempenhos mais racionais.

Diante destas evidências, fica claro que os reajustes dos preços das mensalidades dos planos de saúde, como os que ocorreram neste início de ano, são o termômetro de uma febre mais aguda e não a sua causa, como alguns tentam fazer crer. Reconhecer e diferenciar motivos e efeitos é o primeiro e necessário passo para entender uma equação e encontrar sua solução. Mas há outros mais.

É preciso avançar em mudanças nos modelos de remuneração dos prestadores. Isso se traduz na promoção de uma medicina mais eficaz, que entregue mais valor para o paciente e privilegie o desempenho em vez da quantidade de procedimentos. É necessário, ainda, dar mais ênfase à prevenção, capaz de resolver até 80% das demandas médicas, otimizando recursos e poupando o sistema.

A boa notícia é que há, entre os agentes da cadeia de prestação de serviços de saúde, consenso crescente em torno destas mudanças. A pressão dos custos sufoca a todos e penaliza, sobretudo, quem mais precisa de assistência. A saúde suplementar tem se esforçado para tentar conter essa espiral ascendente, mas essa é uma luta que não se vence sozinho. A pandemia pode ser a chave que faltava para que a necessária transição rumo a um sistema de saúde mais eficaz e racional, tanto público, quanto privado, aconteça.

Autora: Vera Valente – diretora executiva da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar)

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