A vida se vai toda hora

Quando o texto ultrapassa a notícia: foto divulgação

Cada alma que desapega um corpo segue sem saber qual é o destino. Não há roteiro nem rumo, não tem manual, nem regras, não haverá mais parabéns e só uma nota de pesar e lamento…

Depois de uma turbulência sombria numa mentira de vida vazia, de anos e dor, medo, escuridão e pavor, não haver rumo, nem prumo e daí, quem sabe morrer é solução. Tem dívida na boca de fumo, tem ameaça, tem as alucinações, tem o nojo e a vergonha da sociedade, decadente e hipócrita.

Vagou por aqui, vagará por lá,

prá cá ou para lá…

Tantos famigerados moribundos de uma vida nebulosa seguem sós em seus gritos não ecoados, vão embora sem dar adeus.

Não dá tempo de repensar a manchete, é uma atrás da outra, toda hora, a todo instante… A polícia fez o BO, isolou a área e acionou a perícia, o corpo foi encaminhado para o Serviço Médico Legal, não foi identificado e a Civil vai investigar.

Para quê? As celas já estão abarrotadas, os hospícios fecharam, tá tudo sem controle e liberado.

As leis são estúpidas, muitos habeas-corpus e audiências de custódia pra botar na rua depois de estipular a fiança do bêbado do filho do papai que matou um inocente no volante…

E quem as faz tão belas leis são escrotos e imundos que sequer fiscalizam, vivem em rodas de negociatas de cargos e vantagens em atas de preços…

Não há políticas públicas de ressocialização, saúde ou educação, e nem interesse de quem manda mirar na cabeça e disparar se apenas for um corpo preto, numa rua ou num gueto ou no Leblon.

É o garçom, é o menino que foi espancado pelo padrasto, que foi estuprado e morto queimado pelo pastor, é a garota de programa, é a esposa que apanhou e foi assassinada a medida protetiva não valeu nada… É a briga no meio da rua por causa da mardita meiota de cachaça…

Nem faz tanto tempo do prédio a mulher se atirou,

o turista perfurou suas próprias veias com uma lâmina afiada…

Num dia da semana que passou uma doutora bem sucedida se automedicou,

outro dia um policial bebeu a própria sorte,

numa madrugada vazia uma trans tombou numa estrada de chão empoeirada,

e de tarde, o menino se pendurou no próprio quarto e se foi…

Na rua, no bar, nos belos apartamentos, nos condomínios fechados, no beco da favela, uma perseguição e um corpo preto é alvejado e jogado no chão, desovado numa vala.

Em todos os cantos, imprudência, negligência, omissão, abandono, negação…

Na ambulância um garoto agoniza e pede pra não morrer, a mãe ouve os gritos e presencia o silêncio do seu menino partindo.

Quantos gatilhos disparam e quantos mergulhos sem volta nos rios e na ponte de uma bela enseada, os olhos se fecham e se desprendem no obscuro desconhecido universo dos espíritos… A vida se vai toda hora

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