José Castello fala sobre Vinicius de Moraes na Bienal Rubem Braga

Ele é autor de biografia do Poetinha e de outras nove obras.

Autor de livro que biografa Vinicius de Moraes, o jornalista e crítico literário José Castello é um dos convidados desta Bienal Rubem Braga, em Cachoeiro, na semana que vem. Com a obra sobre a trajetória do “Poetinha”, ele ganhou o Prêmio Jabuti, na década de 1990.

Vinicius é um dos três homenageados nesta edição do evento – o trio tem ainda Sérgio Buarque de Holanda e Cândido Portinari – e especificamente inspira a mesa-redonda da qual participam Castello, Moisés Liporage e Tom Farias, na quarta-feira (16), às 19h.

O tema é “Se todos fossem iguais a você – o entusiasmo criador”, com proposta de debater a inspiração para a criação da arte e das ações humanas.

Após lançar “Vinicius de Moraes: o poeta da paixão”, Castello lançou outras nove obras, entre elas o romance “Ribamar”, também contemplado com o Jabuti, em 2011. Ele atuou em O Estado de São Paulo, Diário de Notícias, RioArte, Jornal do Brasil e colaborou com as revistas Veja, Playboy e IstoÉ. Atualmente, escreve para O Globo.

Na entrevista a seguir, o escritor exalta o poder da leitura e da libertação das amarras no processo criativo e adianta parte de sua visão sobre Vinicius de Moraes.

A sua participação na Bienal Rubem Braga envolve a figura de Vinicius de Moraes, biografado em livro de sua autoria. Em quais aspectos a sua experiência com essa obra, reconhecida também pelo Prêmio Jabuti, pode influenciar o estímulo a novos escritores?

Vinicius, como diz o título de minha biografia lançada pela Companhia das Letras em 1994, mas ainda no mercado, foi “o poeta da paixão”. Sua relação com a literatura foi sempre movida por sentimentos fortes e por reflexos diretos de sua experiência de vida. Vinicius não escreveu para especialistas, tampouco para críticos ou para agradar ninguém. Escreveu suas magníficas letras de música e sua extraordinária poesia porque amava profundamente a palavra. E também porque amou, de forma radical, a existência. Para Vinicius, vida e arte estavam sempre misturadas, eram indissociáveis. Não escrevia por hobby, ou por diversão, ou “para ganhar dinheiro”, ou pela fama, como tantos, infelizmente, fazem hoje em dia. Escrevia porque acreditava que, através das palavras, podia agarrar o mundo e transformá-lo. Haverá outra posição diante da literatura mais sedutora na formação de novos leitores?

Neste ano, o evento presta homenagem a três amigos de Rubem: além de Vinicius, temos Portinari e Sérgio Buarque de Holanda. Com base na biografia do “Poetinha”, de quais maneiras essa proximidade entre as artes, pelo viés da amizade, enriquece o fazer artístico?

A arte é, antes de tudo, diálogo – diálogo consigo mesmo, antes de tudo. O primeiro leitor de um escritor é o próprio escritor, que vai escrevendo e lendo, escrevendo e relendo, até chegar ao texto que considera acabado. Personalidades rígidas, autoritárias, fanáticas, dogmáticas, donas da verdade etc. simplesmente não conseguem fazer boa literatura, tampouco boa arte. Se é diálogo, a arte pede também um diálogo intenso com outros artistas e pensadores como os citados, o que só pode enriquecer a criação. O próprio pensamento é diálogo entre ideias, é o enfrentamento dos paradoxos e das contradições que existem dentro de cada um. Pensamento imóvel não é pensamento, é crença, é convicção, é dogma – mas arte simplesmente não é.

Com as facilidades da internet, é comum vermos cada vez mais exemplos de críticas a manifestações de arte, também pelo aspecto da censura ou da compreensão relativa. Quais dicas seria interessante os candidatos a críticos de literatura seguirem, nesse contexto?

Não há outro caminho: o crítico de literatura precisa, antes de tudo, ler muita literatura. Infelizmente, nas últimas décadas, as universidades estão cheias de teóricos que lêem outros teóricos, mas quase não lêem os poetas e os ficcionistas. Por isso, eu acho, eles têm ideias tão “duras”, tão embrutecidas a respeito da escrita. Se você quer se tornar crítico, ou se deseja se tornar ficcionista, ou poeta, não há outro caminho: você precisa ler os outros escritores. Não apenas os contemporâneos, mas sobretudo os grandes clássicos. Ler Dostoievski, Pessoa, Onetti, Drummond, Tolstoi, Clarice, Cervantes, Kawabata, Mishima, Turgueiniev, Eça, Machado, Rosa, João Cabral, Vinicius, Rubem Braga. Ler sem parar, e sem desejar encontrar nada, ou aprender nada – ler por paixão, envolvendo-se com a palavra alheia, fazendo um pouco dela a sua própria palavra. Só assim se forma um escritor.

A fusão entre gêneros é uma característica apontada na construção do livro “Ribamar”, e a crônica, estilo que consagrou Rubem, é também uma fusão. Quais cuidados é necessário ter no processo de criação ao escolher esses tipos de junção?

Um escritor não precisa ter cuidados, um escritor precisa ter ousadias. A literatura não tem regras, não tem limites, não aceita imposições, ou restrições de qualquer ordem, moral, ética, religiosa, filosófica, seja o tipo de restrição que for. A arte é o terreno da absoluta liberdade. Clarice Lispector dizia que um escritor precisa, antes de tudo, enfrentar seus próprios medos. Cada escritor deve seguir seu caminho, e apenas ele, e mais nada. Deve ser o absoluto dono de si e de sua palavra. O resto (prêmios, sucessos, boa crítica, etc) é consequência, mas não tem mais relação direta alguma com a literatura.

A obra de Rubem Braga reverencia bastante as vivências pessoais e o modo como o autor enxergava o mundo. De que forma essas características de composição podem ser encontradas em uma crítica literária?

Desde os grandes modernistas do século 20, os gêneros literários foram inteiramente espatifados, destruídos. Se um escritor escreve preocupado em cumprir bem as regras de um gênero, pode se transformar num bom aluno, nunca num bom escritor. Braga nos mostrou que a vida está diretamente ligada à literatura. Essa ligação se dá de muitos modos diferentes, cada escritor deve inventar o seu. A cada novo texto, o escritor está, na verdade, reinventando a literatura.

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7ª Bienal Rubem Braga

A 7ª Bienal Rubem Braga será realiza de 15 a 20 de maio, na Praça de Fátima,  pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Semcult), com apoio do governo do estado, Unimed Sul Capixaba, Sebrae, Sesc, Senac, Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes – campus Cachoeiro), TV Gazeta Sul e jornais ES de Fato, Aqui Notícias e Folha do ES.

A programação completa inclui mesas-redondas com participação de escritores e artistas de renome, oficinas, atrações culturais para o público infantojuvenil e shows. Todas as atividades são gratuitas e apenas para as mesas, oficinas e parte das atividades para crianças é preciso fazer inscrição prévia, por meio do site oficial do evento – bienalrubembraga.cachoeiro.es.gov.br.

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